Júri Márcio dos Anjos: Testemunhas e réu já foram ouvidos. Julgamento passará aos debates
O júri do homem acusado de torturar e matar o filho, Márcio dos Anjos Jaques, de 1 ano e 11 meses, em 2020, na Fronteira Oeste gaúcha, começou hoje , no Foro da Comarca de Alegrete. Pela manhã, houve o sorteio do Conselho de Sentença, que é formado por cinco jurados e duas juradas, e a oitiva de duas testemunhas. Foram ouvidos os profissionais da área médica e da assistência social do hospital onde o menino foi atendido, em 16/08/20. A criança, que apresentava persas lesões na cabeça e no corpo, faleceu na madrugada seguinte, vítima de hemorragia, edema cerebral e traumatismo craniano. Também foram ouvidas a bisavó e a avó da vítima, além de um perito.
Houve também o interrogatório do réu, que responde pelo crime de homicídio qualificado majorado e por tortura-castigo. Ele negou a autoria do crime e disse acreditar que os ferimentos que levaram o filho à morte foram causados pelo irmão dele, tio da vítima. O irmão dele e a namorada respondem em outro processo pelo crime de maus-tratos seguido de morte contra pessoa menor de 14 anos.
O júri é presidido pelo Juiz Rafael Echevarria Borba, titular da Vara Criminal da Comarca de Alegrete. A sentença deverá ser conhecida ainda na noite desta terça-feira.
Depoimentos da acusação
Os profissionais que atenderam o menino no hospital no domingo , onde ele faleceu horas depois, depuseram em plenário. Os pediatras e a assistente social disseram que os ferimentos apresentados pela criança, na cabeça e no corpo, além do quadro de desidratação e de desnutrição, impressionaram a equipe. Apontaram que havia marcas antigas e recentes no corpo da vítima, sinalizando que a criança já era espancada e torturada.
Os pediatras Antônio Roberto Nunes e Stella Saciloto realizaram o atendimento de Márcio. O médico relatou como encontrou a criança naquela noite no hospital. Segundo ele, Márcio estava convulsionando, apresentava um quadro de desnutrição e desidratação e estava bastante machucado. "As lesões não deixam dúvidas. Estava na cara que aquilo era espancamento", afirmou a testemunha, que chamou a polícia na ocasião. O médico acionou um perito para determinar a causa da morte. O óbito ocorreu na madrugada de 17/08/20.
A pediatra Stella Saciloto também prestou atendimento ao menino. Ela afirmou que percebeu lesões corporais, dentes faltando, sangramento gengival e dificuldades para respirar. "Eram lesões já estabelecidas, hematomas em progressão". No antebraço havia um desenho compatível com uma vara, "longo e fino". Os médicos acreditam que a criança poderia ter sido salva se tivesse recebido atendimento.
A Assistente social do hospital Tânia Zinelle foi chamada pela equipe de enfermagem para acompanhar o caso. Ela conversou com o pai do menino sobre os fatos. Perguntou sobre os hematomas no corpo e no rosto, além dos dentes quebrados. "A questão dos dentes, ele disse que o menino estava engolindo a língua e que ele colocou uma colher", relatou a testemunha.
O réu disse para a assistente social que, durante a semana, já havia percebido machucados na criança, mas que só procurou atendimento no domingo, quando o filho chegou no hospital apresentando um quadro convulsivo. "Questionei por que não tinha o levado ao hospital antes, e só no domingo, ele não me respondeu nada". A assistente social apontou falta de sensibilidade e frieza do pai no momento, diante do quadro grave do filho. "Quando aconteceu o óbito, foi ofertado ao pai ver o menino e ele não quis ver."
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Depoimentos da defesa
A bisavó e a avó maternas da vítima foram arroladas pela defesa do réu e destacaram a dedicação dele ao filho, no período em que conviveram juntos. A bisavó do menino disse que o réu era "um pai maravilhoso". Que ele era o provedor da família e jamais deixava faltar nada para a criança. Afirmou que a mãe de Márcio permitia que outras pessoas batessem nele. Mas que o réu jamais bateu no filho. Contou que foi avisada pelo réu sobre o falecimento de Márcio. "O Márcio era agarrado com o pai dele."
A avó de Márcio também abonou o relacionamento do réu com o filho. Disse que ele cuidava muito bem do menino. "Ele deixava alimento e até mesmo dinheiro. E se faltava alguma coisa, eu avisava ele ou o patrão dele." Afirmou que ficou surpresa com o que aconteceu com o neto. Sobre o comportamento do réu, a ex-sogra disse que ele era uma pessoa calma e quieta. Apontou que a filha era dependente química e chegou a morar com Márcio na rua.
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Perito
O médico Décio Peres atuou como perito no caso, responsável pelo laudo de necropsia da vítima. Afirmou que o corpo apresentava inúmeras lesões em estágios diferentes. Segundo ele, os instrumentos usados eram variados, possivelmente varas e taquaras.
Márcio sofreu traumatismo craniano, que causou edema cerebral e hemorragia. O perito afirmou que, se Márcio tivesse sido levado ao hospital logo depois das agressões, poderia ter sido salvo. Pelo tipo de lesão, estima-se que a agressão tenha ocorrido cerca de cinco dias antes da morte da criança.
Interrogatório
O réu relatou como conheceu a mãe de Márcio. Disse que a mãe era ausente e descuidada com o filho. Que, quando se separaram, Márcio ficou com ela. Mas quando a ex-companheira ficou grávida novamente, informou ao réu que não teria condições de cuidar de Márcio. Assim, ele ficou com o menino e foi morar na casa do irmão dele .
Na semana antecedente ao óbito, o réu afirmou que percebeu que o filho apresentava um machucado na perna. Afirmou que já havia visto ferimentos anteriormente no menino. "Várias vezes, já. Perguntava o que houve, ele dizia que ele caiu. Dava várias desculpas", afirmou. Mas que, no hospital, no domingo seguinte, o menino apresentava mais lesões.
O réu confirmou que, na mesma semana, bateu com uma "varinha" no menino. "Eu fui trocar a roupa dele e ele não queria colocar, estava frio. Fui para dar com a vara no chão e pegou no braço dele", justificou. Disse que depois disso a criança jantou, eles brincaram juntos e dormiram. No dia 16/08/20 , estava trabalhando e recebeu uma ligação do irmão informando que Márcio estava passando mal. Quando chegou em casa, disse que a cunhada afirmou que a criança estava convulsionando e que haviam colocado uma colher na boca da criança para que ela não engolisse a língua. Ele levou a criança ao hospital, mas horas depois, ela acabou falecendo.
Afirmou que o irmão era um homem violento, especialmente quando ingeria bebida alcoólica. Disse que em momento algum confessou para a polícia que tinha matado o próprio filho. Também negou indiferença à morte de Márcio, mas que era uma pessoa calada e encabulada. Afirmou que não teria coragem de matar o filho. Ele acredita que as agressões tenham sido feitas pelo irmão dele.
O réu está preso provisoriamente há quatro anos.